Pesquisa sócio-histórica: o que é e como funciona?

Pesquisa é um conjunto de atividades executadas por meio de um processo sistemático e que tem por objetivo construir novos conhecimentos. Ela é usada para estabelecer e confirmar acontecimentos, apoiar teorias existentes e criar novas hipóteses, resolver problemas e debater questões. No enfoque sócio-histórico, o objeto de estudo é abordado em sua relação com a dimensão social e histórica, ou seja, são levados em consideração as conjunturas políticas, econômicas, culturais, tecnológicas e também as mudanças e permanências ao longo do tempo.

A relevância desse tipo de estudo se dá pelo fato de também servir para desenvolver, rebater, detalhar ou atualizar algum conhecimento que já existe. O resultado final do processo é útil tanto para os grupos que a desenvolveram (pesquisadores, universidades, empresas, agências de pesquisa e publicidade) como para a sociedade em geral.

As pesquisas sócio-históricas são uma das partes que compõem os trabalhos de Memória Empresarial. Neste artigo, vamos abordar a metodologia desse tipo de investigação e o porquê e como as empresas, agências de pesquisa e de publicidade podem se favorecer desta ferramenta.

Se quiser entender a potência de se conhecer os caminhos que fez a sociedade ser como ela é e perceber como a perspectiva histórica ajuda a compreender a identidade e a reputação de uma empresa, a mapear territórios de uma marca, a embasar narrativas corporativas e gerar insights, continue a leitura.

O que é pesquisa sócio-histórica?

Na Raiz, a pesquisa sócio-histórica é definida como uma investigação qualitativa que tem como foco estudar um micro tema específico - uma marca, um produto, uma categoria, um serviço, uma empresa, um assunto, um público-alvo - e sua relação com os contextos mais amplos no qual sua atuação se deu e se dá.

Embora o enfoque seja principalmente histórico, a abordagem dos estudos chega até os dias de hoje e algumas das análises servem de indicadores para o futuro. As pesquisas sócio-históricas podem, não prever o futuro, mas identificar tendências. Inclusive este é um uso muito recorrente.

Uma das metodologias usadas no mercado para identificar tendências é justamente essa: fazer monitoramento de aspectos da contemporaneidade e analisar dados e informações históricas para estimar prováveis caminhos para os assuntos investigados.

Para que serve a pesquisa sócio-histórica?

No cenário atual, dentre os beneficiados por esse tipo de pesquisa estão as agências de publicidade, os institutos de pesquisa, as empresas e as instituições.

Para as agências de publicidade, as pesquisas são utilizadas como suporte para a área de planejamento e estratégia. É nessa fase que os estudos sócio-históricos são usados para embasar argumentos em concorrências, para trazer apontamentos sobre a identidade das marcas nos processos de branding e rebranding e para auxiliar na criação de storytelling. Um exemplo foi o desenvolvimento de um projeto pela Raiz sobre a masculinidade no Brasil.

A agência usou o relatório da pesquisa sócio-histórica ao montar a estratégia para a concorrência de uma marca de desodorantes que estava para ser lançada no país. Posteriormente, quando a marca já havia se tornado cliente da agência, as informações levantadas foram utilizadas na criação da primeira campanha para o mercado brasileiro.

Para os institutos de pesquisa, a investigação sócio-histórica serve para compreender profundamente um tema, para descobrir nuances estruturais de comportamento do consumidor e para gerar insights de tendências. Nesse sentido, a Raiz desenvolveu um estudo sobre o tema trabalho no Brasil com foco na informalidade.

A pesquisa sócio-histórica era parte de uma pesquisa mais ampla sobre tendências no mercado de trabalho. Suas informações e documentos históricos foram disponibilizados em formato de pílulas para os clientes contratantes do projeto.

Para as empresas e instituições, esse tipo de estudo respalda a comunicação corporativa ao mapear identidade e reputação, apoia os lançamentos e relançamentos de produtos e serve na captura do valor intangível das marcas no processo de valuation (avaliação de empresas e ranqueamento de seu valor no mercado). Como quando a Raiz desenvolveu um estudo sobre um clube de futebol e iluminou pedaços da história que estavam encobertos pela narrativa hegemônica construída ao longo do tempo.

Nas empresas que desenvolvem trabalhos de organização e extroversão de acervos, as pesquisas sócio-históricas são feitas rotineiramente, o que apoia a catalogação dos documentos e os usos deles pelas mais diferentes áreas, como acontece no Nestlé Centro de Memória.

Como fazer pesquisa sócio-histórica?

O primeiro passo para desenvolver uma pesquisa sócio-histórica é a definição dos objetivos específicos que se deseja alcançar por meio deste estudo. Para isso, é imprescindível que se faça uma reunião com especialistas na metodologia, onde serão discutidas as temáticas a serem pesquisadas, os desafios gerais do projeto e como poderão responder às perguntas previamente identificadas.

A partir dela, a proposta será desenhada e o escopo será definido: qual o micro tema a ser pesquisado, quais temas correlatos devem ser observados, quais zooms merecem destaque e qual o período temporal mais adequado para abordar o tema. 

Com o escopo definido, serão escolhidos os melhores métodos para a investigação: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, história oral ou pesquisa de campo em lugares de memória. Muitas vezes, a Raiz utiliza metodologias combinadas para enriquecer as observações.

Com o objetivo de resgatar a história da Cerveja Bohemia e validar informações, identidades e a reputação da marca, a Raiz Projetos e Pesquisas de História desenvolveu para a Ambev um projeto que mesclou as seguintes etapas:

  • pesquisa bibliográfica sobre história da cerveja, da cidade de Petrópolis, dos bares e botequins
  • pesquisa documental no acervo da Fundação Zehenner, nos acervos de jornais como Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, no acervo da Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico de Petrópolis
  • pesquisa de campo em Petrópolis, conversando com pessoas chave da história da marca, mapeando e visitando lugares de memória relevantes na trajetória da Bohemia. 
O resultado do trabalho foi a entrega de dois relatórios, sendo um sobre a história da cerveja no Brasil com foco em Bohemia (com textos analíticos de cada década e um compilado da documentação histórica - comerciais, anúncios, notícias de jornal - desde 1640 até hoje) e outro com os Lugares de Memória importantes para a trajetória da marca, especialmente em Petrópolis, sua cidade de origem.

O projeto da Bohemia foi desenvolvido em três meses, mas também é possível fazer pesquisa sócio-histórica com um prazo bem mais curto. A Raiz realizou a façanha de concluir uma pesquisa em 12 horas, quando trabalhou junto com a equipe de planejamento de uma agência de publicidade que estava participando de uma concorrência que aconteceria no dia seguinte.

O desafio foi elencar três grandes crises da história do Brasil e pensar o que havia de estrutural da sociedade brasileira que impactasse no seu desenrolar, quais as semelhanças e as diferenças entre elas e quais foram as soluções e desencadeamentos de cada uma. As entregas foram feitas no tempo real das descobertas, ao vivo, por e-mail, pelo whatsapp, além de um "aulão" no final do dia. Os insights serviram para embasar a estratégia da agência na concorrência.

Profissionais especializados

Apesar de não existir uma formação específica para pesquisador, geralmente, estão aptos a atuar nesse tipo de estudo os historiadores, os antropólogos e os sociólogos. Uma equipe de especialistas vai escutar os pontos de interesse do cliente, formular as questões a serem investigadas em vários níveis de profundidade, escolher as metodologias mais adequadas e fazer uma análise que amarre todos os assuntos e que seja relevante para resolver os problemas apontados.

A Raiz atua nesse mercado desde 2019 e já realizou pesquisas sócio-históricas para diversas marcas, como a Toyster, a Seara, entre outros.

Padrões e transformações na sociedade

É por meio de pesquisas sócio-históricas que podemos revelar e compreender padrões e transformações na sociedade ao longo do tempo, seus reflexos nos percursos das empresas e instituições, bem como o inverso: a maneira como a história das organizações afeta o desenvolvimento das sociedades.

Em um contexto onde a aceleração tecnológica faz com que cada vez mais predominem visões de curto prazo, os estudos históricos têm um papel fundamental porque permitem uma visão de longo alcance. O olhar dos historiadores é treinado para enxergar desta maneira.

Nesse sentido, o historiador Nicolau Sevcenko e seu pensamento estão sempre por perto, permeando os estudos da Raiz. Certa vez, ao ser perguntado sobre a importância da história nesse contexto de rápidas transformações ele respondeu:

"Acredito que a reflexão histórica seja capaz de fazer as vezes desse leme de orientação, em particular em um momento como o atual (...). A história estabelece um sentido de deslocamento que nos possibilita observar o processo sem nos sentirmos arrastados pela pressão dessa aceleração. É a história que dá possibilidade de parar para respirar, a fim de recuperar outros paradigmas para julgar o funil para dentro do qual estamos sendo rapidamente sugados".

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